Nos últimos anos, o Rio Grande do Sul tem enfrentado uma série de eventos climáticos extremos que desafiam a resiliência das comunidades locais e a precisão das previsões climáticas. Como lidar com divergências entre as indicações/dados científicas e os impactos observados na realidade?
Neste post, vamos evidenciar essas divergências e entender melhor como analisar o cenário climático para o Rio Grande do Sul.
O referido estado vivencia uma das inundações mais severas de sua história recente, resultando em consequências devastadoras para a região. Os impactos dessa inundação são vastos e multifacetados, que afetam tanto as comunidades humanas quanto o meio ambiente. Entre os principais impactos, destacam-se:
- Impactos Sociais: Além do grande número de mortos e desaparecidos, milhares de pessoas foram forçadas a deixar suas casas devido às enchentes. Comunidades inteiras foram evacuadas, e muitas famílias perderam suas propriedades.
- Danos a Infraestruturas: Estradas, pontes, sistemas de energia e abastecimento de água foram severamente danificados ou destruídos. A interrupção desses serviços essenciais complicou ainda mais a situação para os residentes.
- Perdas Econômicas: A inundação causou enormes prejuízos econômicos, com perdas significativas na agricultura, pecuária e comércio local. Plantações foram destruídas, e animais foram perdidos, afetando a subsistência de muitos agricultores.
- Impactos na Saúde: O contato com águas contaminadas aumentou o risco de doenças transmitidas pela água, como leptospirose e hepatite A.
Diante de visíveis impactos, o conhecimento científico foi posto à prova: como tal acontecimento não foi previsto? Na busca por respostas, nos deparamos com os resultados do Índice de Risco para inundações, enxurradas e alagamentos disponibilizado pelo Sistema de Informações e Análises sobre Impactos das Mudanças do Clima (AdaptaBrasil MCTI).
Analisando os resultados para as 8 cidades mais afetadas pelo desastre ambiental (segundo publicação do Estadão), este índice aponta um risco alto apenas para Caxias do Sul e Santa Maria considerando os dados para o período presente. Três Coroas e Canela aparecem com risco médio, Veranópolis e Porto Alegre apresentam um risco baixo, e Encantado e Sinimbu, risco muito baixo.
Como explicar tantas disparidades?
Explorando a plataforma, podemos elencar alguns pontos principais:
- O objetivo da plataforma é consolidar, integrar e disseminar informações que possibilitam análises dos impactos da mudança do clima, fornecendo subsídio à tomadores de decisão para ações de adaptação. Apesar disso, ela não trabalha com previsões sobre quando ocorrerá um evento climático extremo em um determinado local.
- Sua abordagem metodológica se baseia em conceitos do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, em inglês), da qual considera o risco como uma função de interdependência entre os fatores relacionados às dimensões de vulnerabilidade, exposição e ameaça climática.
- O índice é uma composição baseada em indicadores simples (variáveis que representam a situação atual dos municípios em questões socioeconômicas, ecológicas, biofísicas e demográficas) selecionados para cada dimensão. Estes indicadores simples são, individualmente, normalizados a partir dos valores máximos e mínimos observados em todos os municípios brasileiros para que seja possível a comparação entre os mesmos.
Partindo dessas observações, entende-se que não se pode avaliar os resultados apenas olhando uma única dimensão. Assim, agrupamos as informações no gráfico abaixo:

Nota-se que o risco em cada município está associado a diferentes situações/composições:
- Canela/RS: apesar de apresentar as dimensões vulnerabilidade e exposição na classe baixa (0,36 e 0,34, respectivamente), a ameaça climática (0,43) elevou seu risco à classe média;
- Caxias do Sul/RS: sua vulnerabilidade muito baixa (0,19) não foi o suficiente para reduzir seu risco (classe alta: 0,70), pois os parâmetros de exposição e ameaça climática encontram-se na classe muito alta (0,94 e 0,82, respectivamente);
- Encantado/RS: sua vulnerabilidade muito baixa (0,03) lhe conferiu um risco muito baixo (0,09), apesar de apresentar valores de exposição e ameaça climática classificados como altos (0,72 e 0,61, respectivamente);
- Porto Alegre/RS: sua vulnerabilidade muito baixa (0,03) lhe conferiu um risco baixo (0,26), apesar de apresentar valores de exposição e ameaça climática muito altos (0,94 e 0,82, respectivamente);
- Santa Maria/RS: possui exposição muita alta (0,94) e ameaça climática na classe muito alta (0,82). Porém, sua vulnerabilidade muito baixa (0,14) reduziu seu risco à classe alta;
- Sinimbu/RS: apesar de apresentar a vulnerabilidade na classe média (0,52), as demais dimensões reduziram seu risco à classe muito baixa (exposição: 0,11; ameaça climática: 0,18);
- Três Coroas/RS: possui exposição muita alta (0,94) e ameaça climática na classe média (0,44). Porém, sua vulnerabilidade muito baixa (0,13) reduziu seu risco à classe média;
- Veranópolis/RS: possui risco baixo devido aos valores baixos obtidos em suas dimensões (vulnerabilidade: 0,24; exposição: 0,38; ameaça climática: 0,33).
Com exceção dos municípios de Sinimbu e Veranópolis, os municípios em análise possuem índices de exposição e ameaça climática variando entre as classes média e muito alta. Porém, nesses casos, é o parâmetro de vulnerabilidade que “dita” o resultado final do risco.
A vulnerabilidade, segundo a plataforma, é o grau de suscetibilidade a inundações, enxurradas e alagamentos, com potencial para mudança ou transformação do sistema socioecológico, quando confrontado com uma ameaça. Ela está associada às situações de sensibilidade e capacidade adaptativa do sistema socioecológico às alterações climáticas. A sensibilidade é definida como grau em que um sistema socioecológico é potencialmente modificado ou afetado, direta ou indiretamente, por estímulos relacionados à ameaça climática que contribui para a ocorrência de desastres geo-hidrológicos, ou seja, é uma propriedade inerente de um sistema socioecológico, existente antes da ameaça e independentemente da exposição desse sistema. A capacidade adaptativa, no contexto das mudanças climáticas, é compreendida como um conjunto de processos de ajustes no sistema, com a finalidade principal de preparar o mesmo para os efeitos das mudanças climáticas e, assim, reduzir as condições de vulnerabilidade a riscos de eventos adversos.
Conclusão: Não se pode fazer uma associação direta entre os resultados apresentados pela plataforma AdaptaBrasil e os impactos observados da tragédia no Rio Grande do Sul. Porém, podemos inferir que: sendo a vulnerabilidade um fator tão relevante na composição do risco foi a capacidade adaptativa desses municípios que reduziu drasticamente o número de mortos, apesar da magnitude do desastre.